Capítulo 1
Lonkjin é um
planetinha calmo, tranqüilo “pacas”,
traduzindo uma gíria dos guetos lonkjinianos, que fica no
quadrante superior esquerdo da galáxia azulada Y-2,
galáxia que vocês, leitores, conhecem como Via
Láctea.
Essa galáxia, é bom que se
diga, fica aproximadamente dez trilhões de
quilômetros a sudeste do zênite do mundo ao qual
pertence, distância que, em escala isoparcequiana, representa
3 querqs (medida usada pelos lonkjinenses, pra ficar tudo em casa) de
um mapa holo-elítico-fractal do universo 2 (um dos 86 que
existem), facilmente adquirível em qualquer esquina da
quinta lua do planeta vizinho Dedron, por exemplo, pela bagatela de 20
dings (dinheiro local).
Lonkjin é, na verdade, um pontinho pardo perdido no meio de um montão de pontinhos também pardos ou sortidamente coloridos e brilhantes que compõem praticamente todos esses mundões de galáxias mais bestas, não importa em qual universo do multiverso.
Numa rua suja de um bairro pobre de uma das cidades mais imundas do planetóide horroroso, mora um ser bastante esquisito. O lugar é um hotel, se é que um prédio velho, pequeno, bolorento, fétido e que tenha quartos tão semelhantes ao seu aspecto geral – assim como ao aspecto geral da rua, do bairro, da cidade e do planeta em que se situa – possa ser chamado assim.
Em um dos
cubículos do tal hotel, os quais a proprietária -
uma lonkjinense velha, cheia de gatos, antipática e de,
digamos, appeal também bem parecido ao do
edifício, da rua, do bairro, da cidade e do planeta -
denomina orgulhosamente “suítes de
luxo”, vive Álbester, o feio.
Álbester é, por assim dizer, bem mais que feio.
Álbester é, por assim dizer, bem mais que feio.
Ele é repugnante, gosmento, asqueroso. A cabeça consiste em uma mistura mal sucedida de clindon hispartusiano e lesma tersepelinense – parentes cósmicos, conforme o Grande Álbum das Formas de Vida das Galáxias do 5º Estágio Pós-Explosão Inicial do Universo 2, útil a qualquer viajante hipermultiespacial.
Duas antenas tortas sobem-lhe do meio de cabelos ofídicos; tem orelhas grandes, achatadas e pontiagudas; as pupilas dos olhos torpes e caídos são dois imensos globos azuis, opacos, que lhe dão um ar sobremaneira estúpido, mas que certamente já viram tudo e guardam um poder terrivelmente extraordinário.
O corpo de Álbester também não é o que se pode chamar de exemplar do ponto de concordância estética, no que se refere a corpos, entre os mais variados gostos dos mais diversos povos de todas as galáxias reais, independentemente de seu estágio desde a explosão inicial e do universo x, y ou z em que se encontram. Muito, muitíssimo pelo contrário.
Ele tem a figura humanóide, como a maioria dos seres das raças bípedes com QI acima de 70 do 5º estágio da evolução cósmica real no universo 2. Mas lembra sempre a quem o observa inadvertidamente um cocô com pernas e braços finos e tortos.
Exatamente: não passa de um irmão mais
bem nutrido, ou em maior tamanho, dessas massas compactas ou
dilaceradas de rejeitos alimentares processados biologicamente, que
fazem “ploc” na água de todas as
privadas dos mundos das raças do 5º
estágio da evolução cósmica
real do universo 2 nos quais ainda se usam privadas.
Tem a cor marrom, na tonalidade mais clara, a estrutura troncal disforme e cheia de protuberâncias e bolhas e ainda exala um cheiro odioso. Sem querer insistir em detalhes escatológicos, Álbester tem, inegavelmente, a compleição perfeita de um rechonchudo bolo fecal em sua forma mais recorrível, pelo menos nos arquétipos culturais dos mundos supracitados.
Álbester observa atentamente o conteúdo
de papéis digitais espalhados em uma mesa de cedro das
verdejantes florestas de uma das seis luas de Campesteran, à
sua frente. Ele se estica na cadeira e erupções
explodem em seu peito, expelindo um líquido amarelo-escuro
de um fedor inacreditável, como sempre acontece quando
está de bom humor. O cocô-humanóide
olha pela janela da “suíte”,
vislumbrando os primeiros raios de um dos cinco sóis de
Lonkjin, e pensa, em voz alta. “Você vai me pagar!
Vai me pagaaaaaaaaar!!!!”.
A frase, dirigida a mim, embora eu nem desconfie, é seguida de uma pausa dramática, bem ao estilo insano de Álbester, e de uma gargalhada grotesca, uma espécie de pum alto, entrecortado por sonoros espamos intestinais. O cocô antropomórfico volta então a estudar os papéis digitais, nos quais está a planta de um motor misterioso que, ele acredita, deve dar-lhe no presente, a partir do passado, ou vice-versa, um poder infinitamente maior que algo extremamente extraórdinário, se é que isso é possível.